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  • Rubens Curi

O sistema Ego/Eu – Parte I – Uma Perspectiva Histórica

Atualizado: 7 de jun. de 2019


O sistema Ego/Eu – Parte I – Uma Perspectiva Histórica


Este é o primeiro artigo, de quatro, escrito por Robert.F. Steele, MA para o projeto The Immeansurable, do Krishnamurti Educational Center.


Lancei-me à tradução dos artigos por considera-los de grande valia para a investigação a qual tenho me dedicado, a questão do sofrimento nas relações humanas. E também, pela forma esclarecedora com que o autor expõe e contextualiza a visão krishnamurtiana, fonte principal da minha pesquisa para ministrar a Oficina Sofrer ou não sofrer, eis a questão!


Para aqueles que desejem ler este primeiro artigo no original, segue o link:


Introdução


O sistema ego/eu é amplo, complexo e dinâmico. Examiná-lo requer uma série de artigos, de forma a obter uma compreensão mais ampla de seus elementos e dinâmicas. Como o título sugere, o ego não pode ser separado do eu. Eles formam um sistema, cuja exploração foi acrescida e modificada por diferentes disciplinas ao longo do século passado. Recentemente, novas informações da neurociência trouxeram contribuições e mudanças dramáticas a esses conceitos antigos. No entanto, embora ainda haja muita incerteza a respeito da consciência, o ego foi mapeado até certo ponto. Eu acho que será valioso olhar de perto as posições passadas e atuais para ver se um modelo funcional do ego pode ser montado. Grandes questões surgirão à medida que o assunto for explorado. O ego é perigoso ou útil? Ele contribui para as nossas vidas, ou é uma prisão psicológica perigosa? É um sistema coletivo, individual ou ambos? Que tal o livre arbítrio e a autodeterminação, eles são reais?


Talvez, no fundo, a maior questão seja a tentativa de descobrir quem realmente somos. Os materiais apresentados ao longo desta série de artigos se destinam a ser estimulantes e provocativos, para ajudar os leitores a se aprofundarem em si mesmos. Não há intenção de apresentar uma interpretação da posição de Krishnamurti em relação ao ego. O que pode ser interessante, no entanto, é descobrir pontos de interseção, bem como de partida, em relação às diferentes perspectivas apresentadas.


Desenvolvimento do Ego como Conceito


O Ego Freudiano


Até Sigmund Freud ter utilizado o termo “ego”, no início do século XX, o assunto não era visto como parte de um sistema autodinâmico. Antes de seus pontos de vista serem publicados, provavelmente a maioria das pessoas ao longo da história não havia questionado a realidade do eu e provavelmente também o considerava como homogêneo. Freud, no entanto, propôs um sistema composto de id, ego e superego, onde ego é o sentido consciente e subconsciente do eu, que faz uma mediação entre o id (repositório de impulsos primordiais, especialmente agressão e demandas sexuais) e o superego (repositório de valores culturais e consciência). “O ego representa o que chamamos de razão e sanidade, em contraste com o Id que contém as paixões” (Freud, 1952, Major Works). Este sistema está sempre sob o desafio da estabilidade a partir da interação das diferentes demandas dos três elementos e, quando em uma condição instável, torna-se fértil solo psicológico para doenças neuróticas e psicóticas. “A neurose é o resultado de um conflito entre o ego e o id, enquanto a psicose é o resultado análogo de um distúrbio similar na relação entre o ego e o mundo externo” (Freud, 1973, Abstracts of the Standard Edition of the Complete Psychological Obras Works of Sigmund Freud). A sexualidade como o principal impulsionador dos impulsos humanos tem sido amplamente desacreditada e substituída por uma visão muito mais complexa. No entanto, Freud foi verdadeiramente revolucionário ao ver o eu como composto de elementos conscientes e subconscientes conflitantes.


A filha de Freud, Anna, acrescentou ao sistema, através de seu livro Ego and the Mechanisms of Defense, a existência de processos específicos e identificáveis ​​usados pela mente nos níveis consciente e subconsciente para proteger a autoestima. É importante notar que esses processos são essencialmente distorções da realidade.


Exemplos incluem a negação, que é uma recusa em ver a realidade, ou a projeção, onde as falhas são atribuídas a outras pessoas. Há muitos outros, e eles são fascinantes, fazendo fazer valer a penas a leitura do trabalho de Anna. Mais tarde, George E. Vaillant expandiu o tópico dos mecanismos de defesa em seu trabalho de 1977, intitulado Adaptations to Life. Essa visão assume a posição de que o ego é inescapável e é absolutamente necessário para a manutenção da saúde mental, mesmo que distorça a realidade. “O conceito do ego transmite a capacidade da mente de integrar a realidade interna e externa, de misturar passado e presente e de sintetizar ideias com sentimentos” (Vaillant, 1993, p.7). Vaillant comenta sobre os mecanismos de defesa: “Os mecanismos de defesa são para a mente o que o sistema imunológico é para o corpo. (…) Se inconscientemente não distorcemos a realidade interna e externa, estamos condenados à ansiedade e à depressão.” (Vaillant, 1993, p. 11). A psicoterapia, quando aplicada a partir dessa posição, visa basicamente fortalecer e curar um ego sofrido como se ele fosse um órgão doente no corpo e, também, implica que as distorções do ego não são de interesse particular.


- Krishnamurti

O que vamos fazer é aprender sobre nós mesmos, não de acordo com este orador, ou com Freud, ou com Jung, ou com algum analista ou filósofo, mas aprender de fato o que somos. Se aprendemos sobre nós mesmos de acordo com Freud, aprendemos sobre Freud, não sobre nós mesmos. Para aprender sobre si mesmo, toda autoridade deve chegar ao fim. Toda autoridade, seja a autoridade da igreja ou do padre local, ou do famoso analista, ou dos maiores filósofos com suas fórmulas intelectuais, e assim por diante. Assim, a primeira coisa que se tem que perceber quando nos tornamos sérios, o que exige uma revolução total dentro da estrutura de nossa própria psique, é que não há autoridade de nenhum tipo. Isso é muito difícil, pois não existe apenas a autoridade externa, que pode ser facilmente rejeitada, mas há autoridade interna; a autoridade interna da própria experiência, do próprio conhecimento acumulado.


Ernest Becker


As visões de Freud sobre o ego se tornaram um evangelho e influenciam até hoje, especialmente no sentido de que é um aspecto perfeitamente razoável e aceitável da vida humana. Mas um grande desafio para a formulação do ego veio do psiquiatra Ernest Becker, nos anos 70. Ele escreveu um livro intitulado The Denial of Death, que rapidamente se tornou um sucesso entre os estudantes de psicologia das universidades. Becker determinou que a sexualidade, como, segundo Freud, condutor para o sistema do ego, era inadequada para explicar sua intensidade e persistência. Ele propôs que o medo da morte borbulhava logo abaixo da superfície da consciência e ameaçava entrar em erupção a qualquer momento, estimulando assim as contínuas tentativas do ego de negação e controle através do uso de mecanismos de defesa. “Becker concluiu que a atividade humana é impulsionada em grande parte por esforços inconscientes para negar e transcender a morte”, segundo Solomon, Greenberg e Pyszczynski em seu livro The Worm at the Core, que cita Becker: “Construímos caráter e cultura”, Becker disse a Sam Keen, "para nos proteger da consciência devastadora do nosso desamparo subjacente e do terror da nossa morte inevitável." (2015, Amazon loc. 76). Em seguida, Becker indica que esse escudo psicológico chamado ego/eu tem sérias consequências negativas. Ele concorda com Freud e Vaillant que o sistema distorce a realidade, mas diverge deles quando propõe que o sistema é fundamentalmente uma forma de insanidade.


“… Tudo o que o homem faz em seu mundo simbólico é uma tentativa de negar e superar seu destino devastador. Ele literalmente se conduz para um esquecimento cego, com jogos sociais, truques psicológicos e preocupações pessoais muito distantes da realidade de sua situação, que são formas de loucura - loucura combinada, loucura compartilhada, loucura disfarçada e digna, mas, mesmo assim, loucura.” (Becker, 1973, p. 27).


Além disso, essa “loucura” não apenas provoca problemas individuais, mas também ganha grande força quando o ego se alia e se funde com sistemas de crenças compartilhados por grupos que podem se impor não apenas a ele e a outros humanos, mas também ao mundo em geral.


“Se tivéssemos de oferecer a mais breve explicação de todo o mal que os homens causaram sobre si mesmos e sobre o mundo desde o princípio dos tempos, não seria em termos da hereditariedade animal do homem, seus instintos e sua evolução, mas, sim, seria simplesmente o custo causado por sua pretensão de sanidade, ao tentar negar sua verdadeira condição ”(Becker, 1973, p. 29).


Becker morreu aos 50 anos, em 1974, e a psiquiatria convencional deu um suspiro de alívio e prosseguiu em seu caminho. Ele não viveu o suficiente para testar suas ideias, o que facilitou para que elas fossem desconsideradas. No entanto, um pequeno e dedicado grupo de seguidores profissionais assumiu sua causa e decidiu colocar suas proposições à prova em uma série de estudos sociológicos. O resultado foi um livro intitulado The Worm at the Core: On the Role of Death in Life, por Solomon, Greenberg e Pyszczynski. Sua pesquisa aprovou Becker em situações de teste. “Então, depois de sermos lembrados da morte, reagimos generosamente a alguém ou qualquer coisa que reforce nossas crenças e rejeitamos qualquer coisa que questione essas crenças.” (2015, Amazon loc. 314). E, dito de outra forma, quando lembrados da morte “… reagimos, criticando e punindo aqueles que se opõem ou violam nossas crenças, e elogiamos e consideramos aqueles que apoiam ou defendem nossas crenças” (2015, Amazon loc. 332).


Esta pesquisa sustenta uma extensão do sistema ego/eu, que agora flui entre indivíduos e grupos externos de uma maneira complexa, dependendo se o indivíduo é integrante ou forasteiro de um grupo. Para Freud, os problemas do ego pertenciam ao indivíduo, mas, para Becker, o conflito se expande de inter-psíquico, apenas, para incluir também o conflito intrapsíquico, e esse novo elemento é impulsionado por crenças compartilhadas como uma parte importante do sistema ego/eu. “Primeiro, nós, seres humanos, somos levados a proteger nossa autoestima; segundo, desejamos fortemente afirmar a superioridade de nosso próprio grupo em relação a outros grupos.” (2015, Amazon loc. 91). A imagem do eu é criada e sustentada por um fluxo recíproco de crenças expressas entre o indivíduo e o grupo de membros como um todo, ou, então, uma luta constante de desacordo com grupos externos.


Em si, as crenças são, na verdade, construções mentais que formam o senso de realidade dos membros do grupo. Crenças são compostas de padrões e valores que, quando sintetizadas, formam descrições de como o grupo e seus membros pensam que as coisas são; são plataformas para um sistema de avaliação, julgamento, hierarquia; emitem um comportamento que confere variadas formas de autoestima a seus membros, fazendo com que desprezem os estranhos. Assim, os padrões e valores do grupo formam o modelo que molda aquele que passamos a pensar que somos. Isso forma a base de reações psicológicas emocionais e cognitivas que, por sua vez, produzem comportamento. Eu chamo isso de congruência, que é o ajuste entre os sentidos das visões da realidade interna e externa. Mas é um ajuste que precisa de manutenção e defesa. Procuramos reforçar nossas atitudes e crenças com as conexões que fazemos com o mundo exterior, bem como com os julgamentos que fazemos a respeito desse mundo exterior. Quanto ao comportamento, as opiniões dominadas pela crença são uma base para julgar as pessoas e as coisas; elas indicam a quem devemos procurar e a quem devemos evitar. Assim, as visões da realidade interna e externa devem permanecer razoavelmente consistentes para que os pensamentos e as emoções forneçam uma sensação de segurança. A fronteira entre as peças congruentes de senso de realidade não só deve ser lógica, mas também deve fazer acreditar que é emocionalmente correta, conferindo um sentimento de autossatisfação e segurança dentro do grupo. Assim, as crenças congruentes interligadas, do indivíduo e do grupo, formam um sistema de ego que transcende a vida do indivíduo, à medida que as crenças são transmitidas para as novas gerações. (Solomon, Greenberg, Pyszczynski, 2015).


- Krishnamurti

Qualquer conclusão ou hipótese - individualismo ou coletivismo, capitalismo ou socialismo ou comunismo, reencarnação etc. - é uma crença. Ao aceitar uma crença você exclui todas as outras formas de pensamento. Crer em Deus não significa entender a Deus. Uma mente presa a uma crença, hipótese ou conclusão, seja baseada em sua própria experiência ou na experiência de outros, não pode ir longe; não é livre, mas condicionada. Portanto, a crença é um obstáculo para a compreensão.


Em Becker, o sistema ego/eu é uma defesa contra os aspectos incertos e incontroláveis ​​da vida, sendo a morte o problema insolúvel que confronta o imperatividade profunda e antiga do nosso DNA de sobrevivência. Este é o enigma final para toda a humanidade. Nesse sentido, então, Becker vai muito além dos conflitos sexuais e culturais apresentados por Freud. Becker se deparou com um problema central comum a todos, mas, a antiga solução havia trazido a onipresente invenção do ego e do eu (self), em todas as suas infinitas variações de crença.


Becker, então, prossegue dizendo que as crenças colocam conjuntos de grupos/indivíduos em conflito quando a sobrevivência biológica é equiparada à sobrevivência da crença em grupo. Situações de vida e morte, quando o ego é incluído na equação de sobrevivência, aumentam para além das preocupações temerosas quanto à sobrevivência física, incluindo as preocupações, também carregadas de medo, quanto à sobrevivência psicológica. Em ambos, o medo tem a mesma base. O Ego, então, é, em seu todo, um sistema de defesa contra o medo registrado na memória, que usar mecanismos de defesa psicológica para defender crenças, comportamentos e estilos de vida fundamentais. Assim, está implícito que, se alguém quiser se render às crenças básicas, certamente entrará na terra de ninguém, onde não se tem certeza sobre realidade interna e externa, havendo a chance de ser subjugado pelos medos de alguém.


“Quando as pessoas perdem a confiança em suas crenças básicas, elas se tornam literalmente 'ilusórias' porque não possuem um modelo fundamental da realidade. Sem esse mapa, não há base para determinar quais comportamentos são apropriados ou desejáveis, não deixando caminho para traçar um rumo para a autoestima.” (Solomon, et. Al., 2015, p. 914).


A suposição aqui é que o projeto da realidade é uma ilusão e sua perda pode provocar um colapso psicológico. As visões de Becker parecem trazer a psicologia para muito mais perto da definição de ego de Krishnamurti. Eu nunca encontrei uma referência indicando que Becker tenha lido Krishnamurti, mas ele certamente apresenta o ego/eu como algo muito mais onipresente e abrangente do que a visão freudiana, alinhando-se assim com posição de Krishnamurti, de que o ego/eu é uma invenção humana universal motivada e mantida pelo medo, que nos cega para a nossa verdadeira condição e para as soluções dos problemas gerados pelo sistema ego/eu em todo o mundo.


- Krishnamurti

A meditação é realmente um completo esvaziamento da mente. Então há apenas o funcionamento do corpo, apenas a atividade do organismo e nada mais; as funções do pensamento não se identificam como o eu e o não-eu, pois são mecânicas, assim como o organismo. O que cria conflito é o pensamento que se identifica com uma de suas partes ao tornar-se o eu, o eu e as várias divisões nesse eu. O eu não é necessário em momento algum. Não há nada além do corpo e da liberdade da mente, que só pode acontecer quando o pensamento não está criando o "eu". Não há um eu a ser entendido, mas apenas o pensamento que cria o eu.


Quando um grupo formata crenças, elas podem colocar o grupo contra pessoas que não pertencem a ele, pessoas com pontos de vista e crenças diferentes. E a tolerância entre grupos, assim como a beleza (senso estético), é superficial, porque se as crenças de um grupo estão em desacordo com as crenças centrais de outro grupo, a própria existência do grupo divergente ameaça desmascarar a irrealidade daquelas crenças que vinham mantendo a incerteza e o medo à distância. Se houver segurança física e psicológica suficiente, a tolerância pode ser temporariamente sustentável, com a ajuda do fato de o crente poder manter um senso de superioridade presunçosa em relação aos “outros”, considerando-os simplesmente equivocados. Mas isso, é claro, pode motivar os esforços de conversão de um grupo. Em vez de mata-los, vamos matar apenas suas crenças; assim, mais uma vez, estaremos seguros e nossa vitória prova que estamos certos e que a justiça fortalece nossas crenças. Não estou me referindo apenas a crenças religiosas aqui, mas também a convicções políticas, econômicas, estilo de vida, entre outras. A ameaça externa é o comunista ou capitalista ou socialista, o liberal ou o conservador, e qualquer um que não queira concordar com as crenças do grupo. Um senso de superioridade permite a dominação, exploração ou destruição dos outros, ou a destruição da natureza, e assim por diante.


A congruência, então, não implica apenas numa conexão adequada com aqueles com quem concordo e compartilho um estilo de vida, mas também pode ser compatível com aqueles dos quais discordo. Um antagonismo cria uma relação mútua de medo, desconfiança, aversão e desconsideração, sendo que, ao fazê-lo, define e identifica os dois lados. Ambas as peças do quebra-cabeça, neste caso, precisam uma da outra como forma de localizar medos e incertezas em um local externo identificável. Ao localizar a ameaça, há algo no que trabalhar, tentar mudar ou destruir para fazer as coisas certas. Ter alguém de fora para culpar é muito melhor do que os sentimentos vagos de insegurança interior e aquela sensação de incerteza vaporosa assombrando todos os dias, dizendo que talvez algo esteja errado conosco. Se a ameaça está fora, há uma oportunidade para mudança sem desafiar o sentido de quem somos. Mas, se está dentro, é um dilema muito maior, que ameaça despir os confortos psicológicos da identidade. Além disso, localizar a ameaça como algo externo, pode ser desfrutado por ambos os lados do ajuste congruente do conflito. Esta é uma relação formada pelos mesmos mecanismos de defesa usados ​​no nível individual. Em um sentido estranho, mas real, os adversários de um indivíduo ou grupo são também uma parte íntima e desejada da necessidade do ego de fazer comparações odiosas, assim como a necessidade de drama e luta como uma obsessão.


Krishnamurti


Krishnamurti começou sua carreira de orador independente no final da década de 1920, durante a ascensão de Freud e, desde o início, assumiu uma posição singular e radical com relação à natureza do eu, à condição do mundo e aos possíveis remédios para problemas do mundo humano. Ele dizia: "Você é o mundo e o mundo é você", e também que "você" é a fonte de muito sofrimento para os indivíduos e para a humanidade em geral. Ele rejeitou a popular posição de que a aplicação de novas ideias sociais e políticas externas, incluindo a psicoterapia, resolveria esses problemas. Por muitas décadas Krishnamurti foi uma voz no deserto, que reunia alguns seguidores fervorosos enquanto o resto do mundo lutava contra uma depressão econômica e uma guerra mundial. Após a vitória, o otimismo se espalhou e os Estados Unidos estavam no auge. O clima era o de que os EUA tinham todas as respostas e que nossa fórmula para o capitalismo democrático nos tornava superiores. Era um tempo otimista, iconoclasta e patriótico e, sendo americano, era também a época do “individualista convicto” e do “self-made man” que poderia resolver qualquer problema. A posição de Krishnamurti, à qual ele aderiu sem vacilar, era fundamentalmente diferente. Sua visão era a de que o eu nos tornava de algum modo universais e que todos nós éramos responsáveis ​​pelos muitos dos renitentes problemas humanos, porque se originavam desse eu. Como tal, a única resposta possível deveria estar dentro. Logicamente, então, a única solução possível e ponto de partida seria uma jornada.


- Krishnamurti

Portanto, esta é a primeira coisa a perceber: é absolutamente essencial conhecer a si mesmo, caso contrário, você não tem fundamento para o pensamento. Você pode ser muito erudito e ter uma grande posição, mas, desde que você não se conheça, isso não faz sentido, pois estará andando na escuridão.

Para entender a si mesmo deve haver uma consciência, uma vigilância, um estado de observação no qual não há um traço de condenação ou justificação. E estar nesse estado de observação sem julgar é uma tarefa extraordinariamente árdua, porque o peso da tradição trabalha contra você; sua mente foi treinada durante séculos para julgar, condenar, justificar, avaliar, aceitar ou negar. Não diga “Como posso me livrar desse condicionamento?”, mas veja a verdade de que se você quer se entender, que é obviamente da mais alta importância, você deve observar a operação de sua própria mente sem qualquer condenação ou comparação.


Foi na década de 1960 que as rachaduras no Sonho Americano começariam a aparecer. A Guerra do Vietnã, a poluição industrial, o racismo e a feminismo ganharam atenção, junto com Becker e um livro chamado The Limits to Growth, um estudo de cientistas que sugeria que uma civilização baseada no crescimento era inerentemente instável e insustentável. Foi o começo da dúvida sobre a natureza do mundo que tínhamos recentemente montado. Foi também uma época de grande audiência nas conversas de Krishnamurti. Eu era uma das pessoas lá, e pode ser difícil para os jovens de hoje imaginarem o impacto das palavras desse homem que propunha haver um problema fundamental no funcionamento da consciência humana. Afinal, minha geração crescera ouvindo que nossa nação tinha todas as respostas e tudo o que tínhamos que fazer era nos entregar a esse sistema nacional de crença e estilo de vida. Aliste-se, seja educado para servir o capitalismo ou junte-se aos militares e salve a democracia no Vietnã. Que alívio finalmente ouvir alguém dizer que o que nos foi oferecido como respostas não eram respostas, que as crenças eram perigosas e faziam parte do problema e que a liberdade interior era essencial tanto para analisar os problemas quanto para encontrar soluções. As respostas propostas das várias organizações fundamentadas nas crenças eram na verdade disfarces de problemas crescentes, oferecidas por promotores de crença e manipuladores da opinião pública.


Agora, décadas após a morte de Krishnamurti em 1986, a humanidade está ainda mais profundamente fraturada e envolvida em problemas. Nossa população mundial dobrou, e há alguns, especialmente cientistas, dizendo que estamos empoleirados em um precipício, à medida que enfrentamos um ambiente global em deterioração e aumentamos a instabilidade econômica, política e social. As respostas propostas e iniciadas após a Segunda Guerra Mundial estão cada vez mais gerando problemas perigosos. A proposta de Krishnamurti ainda permanece. O núcleo do problema está conosco, cada um de nós, e é a única esperança de uma solução para empreender uma jornada ao interior, para examinar cuidadosamente esse estranho fenômeno chamado ego/eu.


No próximo artigo investigaremos o que a nova ciência do cérebro tem a dizer sobre ser o eu uma localização física real no cérebro ou não, e como o cérebro cria sua realidade. Evidências podem ter sido obtidas a partir dessa pesquisa, que podem lançar luz sobre a natureza do self e se ele é verdadeiramente tão perigoso quanto Krishnamurti propunha.


Artigo por Robert F. Steele, MA

Robert é um conselheiro de saúde mental aposentado e estudante vitalício de Krishnamurti.


Referências:

Becker, E. (1973). The Denial of Death.

Freud, A. (1937). Ego and the Mechanisms of Defense.

Freud, S. (1952). Major Works.

Freud, S. (1973). Abstracts of the Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud.

Solomon, S., Greenberg, J., & Pyszczynski, T. (2015). The Worm at the Core: On the Role of Death in Life.

Vaillant, G. E. (1977). Adaptations of Life.

Vaillant, G. E. (1993). The Wisdom of the Ego.


The Immeasurable é um projeto do Krishnamurti Educational Center, que está vinculado a Krishnamurti Foundation of America (KFA).

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